sexta-feira, 4 de junho de 2010

Sem espaço para existencialismo

Você sabe o que é ser discriminado? Eu passo por isso todos os dias e, apesar dessa minha pergunta, eu não acho que seja um motivo de vergonha. Olha só, eu me chamo Gustavo, tenho dezessete anos e estudo numa escola estadual no Rio Comprido.

A grande merda é que eu sou muito invejado. Eu sempre me sinto bem, mas só até a hora em que me dou conta do que querem fazer com a minha namorada.

Eu sou aluno de escola estadual, mas ela é branquinha, loirinha, patricinha, e ainda tem olhos azuis. Isso atrapalha porque as pessoas ficam nos olhando na rua. Quando eu saio com ela, sempre dá problema. Às vezes não dá certo eu fingir ciúmes. No fundo, todo mundo olha, mas quem come sou eu. Os olhares dos caras na rua, principalmente pra ela, me deixam muito orgulhoso disso.

Só o que mais me incomoda é que eu queria ter mais liberdade para ser eu mesmo. Sabe como é, nós entramos no ônibus e eu não posso ficar sem camisa, chamar o motorista de piloto e nem ouvir funk no meu celular sem fone de ouvido. Quem é que causa isso tudo? Sou eu ou ela? 

sábado, 22 de maio de 2010

Negociação


A relação dos dois começou por causa de encontros profissionais. Felipe, engenheiro, foi apresentado à Luana em uma reunião de orçamento para a construção de um conjunto de apartamentos na Tijuca. Ele ficou um pouco desconfiado. Felipe não aceitou de imediato que uma mulher cuidasse das contas de uma empreiteira.

Mas é claro que ele guardou esses pensamentos para ele, um orgulho de quem se considera politicamente correto. Embora, nesse caso, o que é correto politicamente já carrega a má fama da palavra política no nome. As impressões de Felipe sobre a qualificação da Luana para o negócio não mudaram ao longo de dois meses, mas a situação mudou um pouco no terceiro mês.

Mesmo sabendo que Luana era casada, Felipe reparou que a assertividade dela significava algo mais. Uma grande mentira. Mas não seria Luana que poderia revelar isso pra ele. Tudo acabará se houver sucesso na negociação, pensou ele. Inventou uma viagem, deu algumas desculpas diferentes para cada interessado. Sequer estava interessado em parecer verossímil.

Em seus e-mails, protegido pela frieza do que era digitado à distância, Felipe quis se mostrar mais. Ele passou a fazer perguntas, escrever as mensagens com uma linguagem semelhante às conversas informais. Tudo com a intenção de se aproximar. Enquanto estava em casa, ele criou uma rotina de envio de mensagens. Aquela mentira, pelo menos para a Luana, precisava de um pouco de verdade.

Luana começou a achar aquilo um pouco estranho, demorava a responder, mas as mensagens supostamente profissionais continuavam chegando. Ela, todos os dias às seis da tarde, já em casa, lia todos os e-mails e não respondia aos pedidos do Felipe. No fatídico último mês de contato entre os dois resolveu tirar aquilo à prova.

Respondeu às mensagens dele, insinuando que queria mais uma reunião pessoalmente para finalizar o planejamento dos negócios. Após a resposta afirmativa de Felipe, ela finalmente compreendeu que as intenções do engenheiro escondiam flertes. Ela também queria, mas só depois de um tempo. Então continuou.

Felipe sentiu algo de novo nas mensagens dela e duvidou. Isso poderia acabar prejudicando a venda de materiais. Ele sabia que mais envolvimentos com funcionárias dos fornecedores poderiam significar menos opções de negócios. Mas insistiu, não tinha mais volta. Reunião marcada, restaurante escolhido com cuidado e todas as intenções reservadas para o que poderia acontecer após o encontro profissional.

Luana não se preocupava com ele, preferia pensar que não daria em nada. E essa certeza trazia tranquilidade para continuar mandando os e-mails. Faltando uma semana para o dia marcado, Luana deixou o computador ligado e foi tomar banho. Seu filho de sete anos entrou no quarto e tropeçou no computador por acidente. O defeito fez com que Luana perdesse a negociação e não descobrisse as intenções do Felipe.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Voyeur on-line


Ela sempre gostou de ver e procurar novidades na Internet. Passar as horas de site em site, sempre atrás de discos, filmes, textos, isso é que ocupava a maior parte de seu dia. Uma adolescente pode ter esses pequenos luxos.

Mas Carla também presta atenção ao que as outras pessoas fazem em frente aos computadores. Por delicadeza, ela tem esse hábito com pessoas desconhecidas. É estranho ficar observando o que um amigo está fazendo. Não é preciso dar explicação para estranhos, basta olhar para o outro lado, pensou Carla.

Certa vez, passando por uma lan house, ela viu um garoto fazendo pesquisas sobre as Olimpíadas. Olhou, esperou, fez que arrumava um caderno. Pronto, não é que por um capricho do Google o moleque caiu em uma página com vários homens olimpicamente nus. Ela pensou em deuses gregos. Um pensamento completamente diferente do estudante.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Ao som de Fiona Apple ou Regina Spektor



Gente, eu quero é que se dane. Isso pode parecer um desabafo, mas não há sentimento mais forte em mim agora do que a satisfação. Depois de anos de espera, a vontade de deixar tudo se danar é pouco. Sabe o que passei? Não, então posso começar a contar de verdade agora. Não vou fazer daqui uma propaganda do Nextel. Acho aquilo horrível, uma maneira das celebridades ganharem dinheiro e ainda encherem o rabo de grana.

Se você está achando que uma mulher não pode falar palavras duras ou feias, foda-se. Falo e repetiria. Considero que palavrão tem hora e paciência também. Então, para encurtar a espera dos ansiosos e curiosos, vou revelar logo. Sabe que mulher é verborrágica, mas do que a palavra em si pode parecer. Verborrágica.

Minha fúria hoje merece um dia de fúria, um grito, um quadro do Edvard Munch. Estou desesperada pela minha situação. Quero ver alguém passar pela dúvida e angústia e demonstrar clareza. Vou casar daqui a um mês. Melhor, ainda acho que vou. Sempre fui criada da melhor maneira como uma filha caçula merece. Sim, eu acho que todos os mimos são pouco.

Desenvolvi minhas capacidades, estudei, consegui um bom emprego e ganho mais do que meia dúzia de assistentes e estagiários juntos, mas vou casar mês que vem. Na verdade, daqui a vinte e sete dias. Mas o mais provável, como já disse é que não aconteça. Até queria, mas agora que sei que a cerimônia pode não acontecer, abri mão das minhas obrigações com os outros. Acho até que minhas obrigações só são minhas se forem unicamente para mim, coisa que não vem acontecendo.

Espero que nos próximos vinte e seis dias eu tenha uma luz, uma boa ideia e consiga sair dessa situação, casada ou não. Ai, acho que me abri demais. Não sei o que me dá. Vou viver e esperar que o que passei não interfira mais na vida de mulher nenhuma nesse mundo.